CASOS QUE DIVIDEM A JUSTIÇA E INTRIGAM A SOCIEDADE
Os episódios de soltura de presos em flagrante têm gerado
preocupação da sociedade e muitas vezes dão a impressão de que criminosos
perigosos ficam impunes. No entanto, o Código Penal brasileiro garante a
presunção de inocência de qualquer cidadão e, por esse motivo, a reclusão antes
do julgamento só ocorre em casos extremos. Como a interpretação da lei pode ser
diferente entre os magistrados, um olhar mais rígido ou liberal determina a
manutenção do encarceramento ou não de um suspeito. O advogado criminalista
Nereu Lima destaca que a regra é a liberdade. Quando uma pessoa é detida
cometendo um delito, ou imediatamente após o ato, o juiz examina alguns
critérios para determinar um provável risco à sociedade. Somente depois dessa
comprovação é que ele pode determinar a prisão preventiva ou cautelar. "O
juiz examina se o acusado tem residência fixa, se trabalha, se pode fugir ou
está ameaçando alguma testemunha, por exemplo. Se não se enquadrar em nenhum
dos casos, tem o direito de aguardar em liberdade", esclarece. Isso é
chamado de relaxamento de flagrante. Nesses casos, também é avaliado se o preso
assassinou uma ou mais pessoas e se tem chance de matar novamente. Lima pondera
também que os juízes podem errar na avaliação. Para isso, existem recursos.
"Eles são seres humanos. Se errarem, podem reexaminar a matéria",
observa. O advogado do suspeito tem a possibilidade de ingressar com habeas
corpus para reparar um possível equívoco. "Se o Tribunal de Justiça nega,
existe recurso para o Superior Tribunal de Justiça e, havendo a negação, tem
direito de entrar com mais um recurso no Supremo Tribunal Federal",
comenta. Uma novidade aprovada pelo Legislativo, implantada em 2011, também
favorece o princípio da liberdade. Ela substituiu a prisão preventiva por
outras medidas cautelares, que não são necessariamente a prisão. Entre elas,
estão o comparecimento do réu periodicamente em juízo, proibição de manter
contato com pessoas determinadas, nos casos da Lei Maria da Penha, recolhimento
domiciliar e suspensão do serviço público se for acusado de um crime em
exercício da função. Outra questão que o juiz leva em conta é a superlotação
dos presídios. "Estão abarrotados. Há uma necessidade de restringir os
casos de prisão. Por ser uma violação, é aplicada em casos excepcionais."
Para o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Pio
Giovani Dresch, há diferentes entendimentos sobre o modo de decidir nessas
situações. "O Direito é uma ciência humana e o Judiciário trata de fatos
humanos. Não é matemática. Os juízes têm diferentes leituras e avaliações sobre
a gravidade dos fatos. Alguns têm alinhamentos mais liberais, outros são mais
rigorosos. Existem aqueles que prendem menos e aqueles que prendem mais",
compara. Na avaliação de Dresch, o sentimento da sociedade é o de busca de
maior rigor. Na opinião do coordenador-geral da Comissão de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), Ricardo Breier, a lei não está errada.
Contudo, ele avalia que, nos casos de crime contra a vida, que são os mais
graves, poderia se rever a possibilidade de permitir a liberdade provisória.
"O maior direito que se tem é a vida. É preciso um olhar diferenciado para
não banalizar o homicídio", salienta. "Cada autoridade deve fazer o seu
papel e não cabe ao delegado uma avaliação crítica sobre a decisão do
juiz", opina o diretor de Estudos e Projetos da Associação dos Delegados
de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep), Marcelo Hartz. Segundo ele, se houver
respeito recíproco, as discrepâncias poderiam ser evitadas. (Correio do Povo - Capa com
foto e página 14)
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