segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

ALICIAMENTO EM PROTESTOS



A denúncia de aliciamento de jovens para participação em atos de protestos não é exclusividade do Rio. Radicais que lideraram as manifestações em junho de 2013 nas ruas de Porto Alegre teriam recrutado delinquentes em bairros da periferia da Capital para engrossar os protestos e gerar tumulto. A informação consta de investigações realizadas pela Polícia Civil e que começam a ser enviadas à Justiça. Depoimentos de testemunhas, de policiais, de guardas municipais e de pessoas detidas no ano passado indicam que moradores de pelo menos três zonas periféricas teriam sido arregimentados, com a promessa de obter caminho livre para saquear lojas e veículos na área central. As investigações estão em 86 inquéritos realizados por quatro delegacias – parte deles sob apreciação do Judiciário, distribuídos em diferentes varas criminais. Cada uma dessas averiguações aborda um fato: são depredações, saques e até agressões, nas quais há várias pessoas indiciadas. O cruzamento das informações aponta um modo de operação em manifestações e os objetivos dos recrutamentos. Diferentemente do que ocorre no Rio, onde há a suspeita de pagamentos para promover quebra-quebra (o advogado de Caio Silva de Souza, detido pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, afirmou que seu cliente recebia R$ 150 por manifestação), em Porto Alegre o “lucro” dos depredadores se daria de outra forma: a preferência nos saques no comércio e em veículos. Conforme documentado nos inquéritos, o suposto aliciamento começou com a atuação de líderes de grupos radicais, que teriam contatado patrões do tráfico dos bairros Bom Jesus, Cruzeiro e Vila Conceição. A proposta seria de que jovens dessas regiões fossem enviados aos protestos, com a promessa de ter liberdade para saquear e furtar. Com a aliança estabelecida, os chefes das comunidades enviavam jovens sem ideologia ou reivindicação às manifestações, onde encontrariam líderes de grupos radicais e mascarados. Na reta final das passeatas, quando as depredações começavam, pessoas com o rosto coberto iam à frente, arrombavam comércios e, logo depois, ordenariam a ação dos saqueadores. Com os jovens furtando produtos – como celulares e outros eletrônicos –, os mascarados, em geral ligados a ideologias extremistas, se retiravam. Nestes momentos, a Brigada Militar se concentrava em abafar os saques, enquanto os radicais se deslocavam para fazer depredações e pichações como protesto político em outras áreas com mais liberdade, longe da vigilância policial. Um PM cedido como agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em Porto Alegre detectou, em junho, o suposto recrutamento de delinquentes para as ações políticas. Ele falou com jovens do bairro Bom Jesus que disseram terem sido convidados por um “patrão” do tráfico a comparecer no centro de Porto Alegre, para saquear lojas, durante os protestos. A orientação seria seguir os militantes políticos e furtar nos locais já depredados. O informe foi repassado à Polícia Civil. PMs do serviço reservado (P2) foram ouvidos nos inquéritos e confirmaram ter identificado suposto elo entre radicais e delinquentes. Eles apontaram militantes misturados aos saqueadores. Dois depoimentos de manifestantes presos em flagrante dão mais detalhes. Um dos supostos aliciados era da Vila Maria da Conceição e disse ter sido convidado a participar dos protestos por outros dois criminosos. Descreveu que “um mascarado de preto dava gritos de ordem para indicar os locais que seriam atacados”. Por fotos, ele reconheceu pelo menos cinco líderes vinculados a grupos políticos extremistas. Outro indivíduo detido à época é um traficante do Morro Santa Tereza. Ele afirmou que a tática “era atrair a Brigada com os saques para facilitar o quebra-quebra político”. Ainda não há indiciamentos nos dois casos. “Tenho certeza de que essas investigações vão dar resultado e comprovar vínculos que até agora eram só suspeita”, diz o procurador Gilberto Thums, que atua na 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça e teve acesso a depoimentos tocados por quatro delegacias e que já estão na Justiça. Um dos responsáveis por investigações de episódios de depredação e saques nas manifestações, o delegado Marco Antônio Duarte de Souza foi procurado por ZH, mas não quis dar detalhes. “A Polícia Civil evita falar em vinculações políticas. O que interessa é o fato criminoso e o autor, mas ninguém terá imunidade”, declarou. (Zero Hora. Capa e páginas 4 e 5.

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