DO PROTESTO AO CONFRONTO (ZH. Páginas 6 e 7) Segunda-feira,
24/06/2013, é uma data que ficará
marcada na vida dos gaúchos. O que começou como uma manifestação tranquila
transformou-se em zona de guerra pelas ruas de Porto Alegre. O confronto entre
vândalos e policiais espalhou o pânico no coração da Capital, mais
especificamente no encontro da Rua dos Andradas com a Avenida Borges de
Medeiros. Zero Hora reconstituiu estes momentos que converteram o protesto em um
barril de pólvora. Minutos depois das 20h de segunda-feira, bombas da Brigada
Militar e pedras arremessadas por manifestantes cruzaram-se no ar, no encontro
da Rua dos Andradas com a Avenida Borges de Medeiros, no coração de Porto
Alegre. Naquele momento, o centro da cidade deixou de ser palco de uma marcha
popular que reuniu cerca de 10 mil pessoas para se transformar em zona de guerra.
Explosões, fumaça, corre-corre e saques espalharam-se por toda a região
central, semeando pânico e deixando um saldo de pessoas feridas e patrimônio destruído.
Para entender o que converteu o protesto até ali ordeiro em um barril de
pólvora é preciso retroceder cerca de meia hora, para o momento em que os
manifestantes que seguiam pela Avenida Loureiro da Silva optaram por subir a
Borges de Medeiros, deixando claro que o destino da caminhada seria o Centro.
Segundo fontes da área da segurança que monitoravam a ação de marginais
infiltrados, foi nessa hora que começou a agir uma gangue criminosa que tem
aproveitado as manifestações para saquear. Sessenta e oito jovens de dois
bairros de periferia adiantaram-se aos manifestantes e percorreram o Centro à procura
dos melhores alvos. Na região da Doutor Flores e da Vigário José Inácio,
definiram os estabelecimentos comerciais com potencial para oferecer o melhor
butim e identificaram quais tinham grades ou portas mais frágeis.Em seguida,
quatro integrantes desse grupo deslocaram-se até o cruzamento da Rua dos
Andradas com a Borges de Medeiros, conhecido como Esquina Democrática por causa
dos atos cívicos que costumam ocorrer ali. Como em manifestações anteriores,
seu objetivo era criar um conflito para atrair a polícia a um ponto, enquanto a
pilhagem eram realizada em outra área, relativamente distante. Enquanto a
marcha de manifestantes ainda estava na altura da Rua Jerônimo Coelho, o
quarteto agrediu um jovem na Andradas, ao que parece escolhido de forma aleatória,
e deu início ao arrombamento de uma da loja de calçados Paquetá que funciona na
Esquina Democrática. Com o caos instalado no local e a garantia de que todas as
atenções se voltariam para aquele ponto, voltaram para a região dos saques,
para fazer a limpa fora do radar da polícia. Segundo a Câmara de Dirigentes
Lojistas (CDL), o prejuízo dos comerciantes foi de R$ 2 milhões. Uma loja de
instrumentos musicais e aparelhos eletrônicos da Doutor Flores amargou R$ 300
mil em perdas. O vendedor Sérgio Barcellos Rivarola, 50 anos, que participava
do protesto na condição de integrante da Frente de Libertação da Síria, teve
sua atenção atraída desde o início da marcha para a ação de grupos de
arruaceiros – e ajudou a impedi-la em alguns momentos. Por isso, quando chegou
ao Centro, Rivarola seguiu os baderneiros até a região da Andradas, quando a
massa de manifestantes ainda estava centenas de metros para trás. “Antes do
arrombamento da Paquetá, vi esse pessoal descer pelo Centro para ver o que
tinha por lá”, relata ele. O fotógrafo amador Rodrigo Feijó, 28 anos,
testemunhou a origem dos confrontos na Esquina Democrática. Ele tem acompanhado
os protestos e aprendeu que é importante estar adiante da marcha para obter as melhores
imagens. “A gurizada da confusão sempre vai para a frente”, explica.
Por isso, Feijó separou-se da multidão que subia a Borges e foi até a altura da
Andradas. Quando chegou, já havia vários arruaceiros voando com os pés contra
as portas da Paquetá, até fazer uma delas ceder. Nesse momento, um grupo de
manifestantes contrários à violência, formado por cerca de 30 pessoas, correu
para bloquear a entrada e impedir saques. “Mãos para cima! Mãos para cima!”,
gritavam.
Segundo Feijó, dois fatos serviram de estopim para a ação da Brigada Miltar.
Primeiro, houve uma briga envolvendo saqueadores e os que protegiam a Paquetá,
com troca de socos. Quando os ânimos começavam a serenar, veio o segundo
evento: um rapaz de moletom foi atingido na cabeça por uma garrafa arremessada
por um vândalo. A vítima tombou no calçamento, desmaiada e com sangue jorrando
do supercílio.
Manifestantes que estavam no local, conta Feijó, alarmaram-se e carregaram o
jovem até um grupo do pelotão de choque na Rua José Montaury, uma transversal
da Borges. Segundo o fotógrafo, relataram aos policiais a situação na Esquina Democrática:
“Eles levaram o ferido para pedir ajuda da Brigada. Mas voltaram de lá correndo
e gritando: “Vaza que a polícia está vindo com gás”. Mas o pessoal que estava
diante da Paquetá queria esperar, para manter a loja protegida até a chegada
dos policiais”.
Nesse momento, os PMs que estavam concentrados na José Montaury e na prefeitura
começaram a subir a Borges em direção à Esquina Democrática. Ontem, o comando
da BM disse que os policiais avançaram porque havia informação de risco de saques
na Andradas. “Quando a Brigada se aproximou, começou a cair bomba na Esquina
Democrática. Começamos a correr em direção à massa de manifestantes, que estava
na altura da Salgado Filho. A maior parte das pessoas fugiu pela Salgado em
direção à João Pessoa, enquanto a Brigada vinha atrás”, conta Feijó. O vendedor
Sérgio Barcellos Rivarola estava de volta à Esquina Democrática no instante em
que a porta arrombada da Paquetá era protegida por manifestantes e começava o
avanço dos PMs. Ele afirma que, no momento em que os policiais concentrados
perto da prefeitura vieram, foram recebidos a pedradas. “A polícia avançou e
foi recebida a pedrada. Aí os policiais meteram bala e bomba. Naquela hora, se
eu pudesse pegar um escudo para enfrentar os arruaceiros, eu pegava, porque
eles são uns sem-vergonhas”, revolta-se. Iniciados na Esquina Democrática, os
confrontos prosseguiriam noite adentro, espalhando-se pelas ruas do Centro e da
Cidade Baixa. PORTO ALEGRE
OS DOIS LADOS DA TRINCHEIRA (Página 7) As visões do Estado e
dos manifestantes sobre os movimentos-chave da noite de segunda-feira:
SOBRE O EPISÓDIO DA PAQUETÁ ESPORTES:
O QUE DIZEM OS MANIFESTANTES (PELO FACEBOOK)
- Quando já não adiantava mais nada a BM chegou... dando
bala de borracha em todo mundo e soltando
bomba no meio dos que defendiam a loja (Leandro Gonçalves)
- A manifestação acabou em tumulto por responsabilidade
única e exclusiva da Brigada Militar (Gilberto Cavalheiro)
O QUE DIZ A BRIGADA MILITAR:
- Tinha saqueadores na Paquetá e um conflito entre
manifestantes. Aí, determinamos o avanço, pois havia informações de pessoas
machucadas. (Fábio Duarte Fernandes, comandante-geral da Brigada Militar)
SOBRE O ATAQUE A MANIFESTANTES PACIFICOS:
O QUE DIZEM OS MANIFESTANTES (PELO FACEBOOK)
- A ação da polícia contra os manifestantes pacíficos é
imperdoável. (Angela Ponsi).
- Vandalismo é a ação da polícia,que dispersa uma massa
concisa e pacífica e depois prende os manifestantes em pequenos grupos.(Roberta
Bonezi Carolo).
- Eu estava na esquina da antiga CRT e encurralaram o
pessoal, não permitiram que chegassem à prefeitura e depois começaram a jogar
bombas. Não havia vândalos naquele local, naquele momento, havia crianças,
velhos e pessoas com deficiência. (Sidnei Menezes)
O QUE DIZ A SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
- A BM avançou sempre em linha, conforme o necessário. Pode ter
algum equipamento ido além. Naquele momento, não tinha como medir o alcance do
artefato. (Airton Michels, secretário da Segurança Pública)
SOBRE A FORÇA UTILIZADA PELA BRIGADA
O QUE DIZEM OS MANIFESTANTES (PELO FACEBOOK)
- Só quem estava lá sabe. Polícia despreparada? Pelo
contrário, preparadíssima pra guerra. Covardia é pouco! (Thamara Salvagni)
- Sim, depois que a BM atacou covardemente a multidão, o
Centro virou um caos. Era o que a Brigada Militar queria. Um amigo avisou que o
evento tinha sido marcado pela PM e que hoje iam descer a porrada. Não acreditei.
Eu estava errado. (Marcelo Dewitte)
O QUE DIZ A CÚPULA DA SEGURANÇA
- A BM não trabalha com tática de guerrilha. A ação da
polícia foi estudada e com serviço de inteligência. (Airton Michels, secretário
da Segurança Pública)
- As medidas tomadas (uso de balas de borracha e bombas de gás
lacrimogêneo) foram feitas no momento em que os vândalos se tornaram agentes de
risco para a integridade física dos manifestantes. (Fábio Duarte Fernandes, comandante-geral
da Brigada Militar).