quarta-feira, 5 de novembro de 2014

JUSTIÇA MILITAR É UM ÓRGÃO DE CONTROLE SOCIAL - (Jornal do Comércio, Página 22 com foto)



O coronel da Brigada Militar (BM) Fábio Fernandes tomou posse como juiz do Tribunal de Justiça Militar ontem. Para assumir o cargo, Fernandes deixou o posto de comandante-geral da BM, no qual atuava desde o início de 2013. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele avalia seu período à frente da corporação, em um momento marcado pelas manifestações de junho do ano passado e pela Copa do Mundo. “O servidor compreendeu seu papel de polícia da sociedade democrática, de enfrentar a violência sem violência”, reflete.

Ao assumir o cargo de juiz no tribunal, Fernandes defende a necessidade do órgão como forma de controle social – desde 2011, tramita na Assembleia Legislativa um projeto de lei do deputado Raul Pont (PT) pedindo a extinção do Tribunal de Justiça Militar (TJM). “A Justiça Militar é importante, não para a polícia, mas para a sociedade.” Também se posiciona sobre as recentes manifestações pedindo a intervenção militar no País. “É um risco para a democracia brasileira.”

Jornal do Comércio – Qual a sua avaliação sobre este período à frente da Brigada Militar, em um momento em que a instituição foi tensionada por vários setores?

Coronel Fábio Fernandes – Nesse período, tivemos grandes desafios. Primeiro, a questão da valorização dos servidores. Depois, enfrentamos as jornadas de junho e um momento extremamente delicado para o País. As polícias, ao meu juízo, não estavam bem preparadas para aquelas ocasiões, porque os movimentos tiveram características diferenciadas: não havia lideranças, sindicatos ou partidos políticos. Neste momento, o servidor compreendeu seu papel de polícia da sociedade democrática, de enfrentar a violência sem violência. Tivemos êxito e a instituição foi reconhecida como a melhor polícia durante as manifestações de junho, o que é um motivo de orgulho. O terceiro momento foi a greve dos rodoviários, quando a instituição foi muito tensionada, em um processo de discussão trabalhista que estava judicializada. Por três vezes, os patrões foram à Justiça com intuito de fazer a Brigada atuar nos piquetes, onde havia um direito trabalhista. E por três vezes foi negada a intervenção neste processo. E depois a Copa do Mundo, um evento rigoroso e de cunho internacional, em que tivemos a atuação reconhecida. As redes sociais divulgaram o caminho do gol, a banda da Brigada e hoje Porto Alegre é uma referência para os turistas. 

JC – As manifestações fizeram a instituição repensar suas posturas e práticas?

Fernandes – Tivemos o episódio do Tatu Bola, em 2012, no qual houve uma série de episódios que fragilizaram nossa instituição publicamente. Começamos então a estudar melhor estes movimentos e passamos a rever nossa postura institucional. Hoje, a Brigada sabe da importância do seu papel, e a população aprovou a postura da Brigada durante os protestos – em que pese a preservação da vida, em detrimento do patrimônio, às vezes um pouco incompreendida pela sociedade. 

JC – Mesmo com este reconhecimento, aconteceram denúncias de abuso policial.

Fernandes – Tivemos um momento em que sete mil policiais estavam envolvidos nas manifestações e cerca de 20 mil pessoas nas ruas. Não tivemos nenhum manifestante gravemente ferido e temos quatro policiais que foram feridos gravemente. A pauta dos manifestantes, no que dizia respeito à Brigada, era de três pontos: a exoneração do comandante Fábio, a desmilitarização da polícia e a identificação dos policiais. Imediatamente, o governador (Tarso Genro, do PT) respondeu. Com relação à identificação dos policiais, hoje eles têm seus capacetes identificados por números e qualquer pessoa pode verificar qual é o policial que está naquela manifestação. E o compromisso, a partir do episódio do Tatu Bola e, especialmente, das manifestações, é de que o policial não pode ter medo de uma câmera fotográfica ou de filmagem. Uma premissa atual da polícia é a questão da transparência. Se o policial for fazer algum ato que não possa ser fotografado, é melhor repensar sua atuação e não realizá-lo. A polícia é uma instituição do Estado e da sociedade.

JC – Como projeta o trabalho no TJM? 

Fernandes – Venho com a experiência de 32 anos na instituição e com o intuito de ajudar nesta Justiça, que é muito importante. Temos cinco estados da Federação que podem ter Justiça Militar, em função da Constituição Federal, e destes cinco há o órgão em três: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A Justiça Militar é pouco conhecida pela sociedade, mas faz um trabalho de excelência, porque consegue fazer com que os servidores da polícia tenham um controle efetivo. Um policial é um servidor que porta uma arma durante 24h por dia e que, talvez, seja o único profissional que trabalha isolado. Às 3h da manhã, trabalhando em um parque da cidade, ele faz o que quiser. Então, precisa ter um controle social muito forte sobre ele e por isso a importância da Justiça Militar, para fazer a autorização social sobre ele, para que o policial que porte arma seja uma garantia para a sociedade. Nenhum outro profissional atua isolado. O juiz não julga sozinho. Um médico não opera sozinho. Um jornalista não atua sozinho. Um policial pode andar armado sozinho. Então, a sociedade precisa deste controle sobre a hierarquia, sobre os atos dos policiais, para que sejam julgados, para que seja feita a justiça e o controle sobre sua atuação.

JC – Então, o senhor é contrário ao projeto de lei do deputado Raul Pont que prevê a extinção do órgão? 

Fernandes – O tribunal é necessário e não é de hoje que entendo assim. A Justiça Militar é um órgão de controle social. Os fundamentos do deputado são financeiros, mas os custos não vão diminuir. É uma questão de compreensão de existência da Justiça. O projeto está tramitando e talvez seja votado, mas sou contrário, sempre fui. O debate é importante, mas entendo que a Justiça Militar é importante, não para a polícia, mas para a sociedade.

JC – Como avalia as recentes manifestações pedindo intervenção militar no País?

Fernandes – É um risco para a democracia brasileira. Pedir a intervenção militar em um País gigantesco, que é a sétima maior economia do mundo, é um risco muito grande. Não acho que deva prosperar. O Congresso Nacional deve se estabelecer com muito rigor contra isso. Já vivemos duas ditaduras, uma civil e outra militar, e os resultados não foram adequados. A democracia tem que se solidificar, a sociedade tem que construir debates e diálogos que são importantes, como a reforma política e o financiamento público de campanha, e não é o retorno a uma ditadura, seja civil ou militar, que vai mudar os patamares da sociedade. Somos um País muito forte e que merece uma democracia livre e estável para continuar crescendo. Já tivemos esta experiência, não foi exitosa, temos que respeitar o momento político-social e econômico da época, mas estamos em um momento diferente. A sociedade, de maneira geral, tem que garantir a conquista da Constituição de 1988. A gente deve extirpar qualquer movimento nacionalista que venha a ser criado, porque nós já vimos este filme e isso não vai ajudar o País a se desenvolver.

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